sexta-feira, 2 de julho de 2010

A CACHORRINHA SEGURANDO VELA



Maria estava sentada no banquinho na sala de estar acompanhada da mãe. Seu pai caminhava para lá e para cá na calçada em frente à casa. De cinco em cinco minutos, mais ou menos, Maria se levantava e espichava o pescoço para o terreiro. Dona Raimunda, inquieta, alisava incansavelmente, a saia do vestido.
- Para menina! Fica quieta! Para com esse senta e levanta! Ta me agoniando!
Estavam todos com as melhores roupas e perfumados com água de cheiro.
Seu Dezinho num vai-e-vem sem fim soltava, uma atrás da outra, baforadas do seu cigarro de fumo bruto envolto em palha seca de milho. Já estava escurecendo. Olhou no relógio e constatou que faltavam poucos minutos para o horário marcado. Olhou novamente para a estrada e avistou ao longe o rapaz esperado, montado no lombo de um cavalo, que àquela distância, dava para perceber que era manco. “Inda vem montado num cavalo ruim! Ai ai... Isso não vai dar certo!”. Pensou.
O rapaz, de mais ou menos uns 23 anos, saltou do cavalo, tirou o chapéu e se aproximou vagaroso de seu Dezinho que não fazia a menor questão de esconder a cara feia.
- Boa tarde seu Dezinho! – Estendeu o rapaz, a mão suada e calosa. Seu Dezinho esticou a sua e num mal roçar, enfiou-a no bolso imediatamente. Olhou o cavalo e disse:
- Esse teu cavalo ta mancando! Machucou a pata?
- É. Pa...rece que sim! – o rapaz forçou um sorriso de desculpa. Devia ter vindo com um cavalo melhor. Pensou.
- Mas tu tem outro, ou só esse?
- Tenho. Tenho sim!
- Vamos entrando!- resmungou balançando a cabeça sem muito acreditar no rapaz.
Maria quando avistou ao longe o visitante, começou a tremer e a suar. Dona Raimunda pôs-se de pé e ficou a esperar. Beliscou Maria para que ela fizesse o mesmo. Esta, sentindo o coração bater forte e os joelhos moles, ficou em pé a pulso. Encostou-se na parede temendo cair.
Seu Dezinho surgiu na sala, acompanhado do rapaz que trazia nas faces intenso rubor. Convidou-o a sentar. Na sala, além do banquinho havia mais três cadeiras e o rapaz, nervoso, trêmulo, escolheu uma de couro já bastante velha, mas ainda muito resistente. Seu Dezinho, imediatamente, trouxe para cima dos olhos todo o couro da testa, pois naquela cadeira a única pessoa que se sentava era ele. Aquele velho objeto era de estimação, quase tanto quanto Tulipa sua cadelinha, pois era uma cadeira que pertencera a seu bisavô e foi passando de pai para filho. Não teve, porém coragem de pedir ao rapaz para se sentar em outra. Todos sentados, o silêncio tombou. Os minutos começaram a passar, até que dona Raimunda ofereceu um café e levantando-se saiu pros fundos da casa. Maria, querendo respirar um pouco e tirar do peito aquele peso que ali se alojara, acompanhou a mãe num passo apressado.
Seu Dezinho se vendo a sós com o moço, perguntou de chofre:
- Quais são suas intenções com minha filha? – Perguntou olhando firme para os olhos do rapaz.
O pobre moço, gaguejando com muito custo, conseguiu dizer:
- As melhores... seu Dezinho, as melhores...
- Isso não é resposta. Quero saber se é pra casar ou pra enrolar. Porque filha minha, cabra nenhum enrola, não!
O moço passou a mão na cabeça, agoniado.
- Claro... claro que é pra... casar. Eu... gosto muito... da sua filha.
- Então tá bom! Mas tu só vai botar a mão nela depois de casado. To avisando!
- Certo. Claro... nunca pensei... de outro jeito. Quero que a... nossa união... seja abençoada por... Deus...
- E por mim! – Mirou o rapaz de cima a baixo, pousou os olhos no centro do corpo do moço e disse: Se tu botar a mão nela antes de casar, te aviso: Tu não será homem nunca mais – Fez um gesto com a mão como quem corta alguma coisa. O rapaz engoliu o pouco de saliva que restava em sua boca seca, e mentalmente elevou uma prece a Deus.
Seu Dezinho espichando o pescoço na direção da porta gritou com aquela voz, dificilmente compreensível para os humanos.
- Maria! Chegue aqui!
No mesmo instante, Maria surgiu cabisbaixa, com as faces rubras.
- Me chamou pai?
- Chamei. – Olhou para o rapaz, para ela e continuou - O moço aqui me pediu tua mão. Vocês vão se conhecer um pouco e depois vamos marcar a data do casamento.
Maria sorriu com a cabeça enfiada no peito.
-Senta aí e pode conversar!
Maria sentou-se no banquinho, juntou as pernas e puxou a saia do vestido para cobrir os joelhos. Ainda de cabeça baixa, vagarosamente, levantou os olhos na direção do rapaz e sentindo sobre si os olhos dele, imediatamente recolheu os seus por sob as pálpebras. Olhou na direção do pai e viu que este olhava para um e para o outro enquanto acendia outro cigarro. O tufo de fumaça encheu a sala e o odor do fumo queimado penetrou as narinas de Maria dificultando-lhe ainda mais a respiração.
Dona Raimunda chegou trazendo na bandeja quatro xícaras pequenas esmaltadas com a cor verde e um bule de igual material. Colocando o serviço numa mesinha encostada a uma parede, onde havia uma quantidade razoável de quadros de santos e alguns retratos da família, serviu o café. Serviu primeiro ao rapaz, depois a Dezinho, à Maria. Em seguida pegou a sua xícara e se sentou numa cadeira próxima ao marido. Beberam em silêncio.  Ouviam-se apenas os chupados que seu Dezinho dava em sua xícara. Depois de alguns minutos ela o cutucou discretamente chamando-o para saírem dali e deixarem os dois jovens a sós. Ele olhou-a assustado:
- Quê que tu quer?
- Quero falar uma coisa! Vamos lá na cozinha –sussurrou
- Como é que eu deixo os dois aqui... – disse ele numa voz estridente, mas acreditando sussurrar.
- Vem cá homem! Deixe de conversa! – A velha tomou-lhe a mão e se levantou. Ele seguiu-a resmungando. Chegando na cozinha ele estacou e disse:
- Já sei! Cadê Tulipa? Tulipa! Oh Tulipa!
A cachorrinha surgiu abanando o rabo e cheirando-lhe os pés encardidos.
Ele se agachou e cochichou alguma coisa no ouvido da cadela. Esta, obediente, seguiu em direção à sala e lá entrando se deitou a um canto e pôs-se a encarar o casal que agora se encontrava sentado no mesmo banco.
- O que tu cochichou no ouvido da cachorra Dezinho? – Perguntou dona Raimunda
- Já que eu não posso ficar lá botando sentido nos dois, por causa da tua implicância, mandei Tulipa vigiar os dois pra mim.
Dona Raimunda soltou uma gargalhada.
- Tu já ta é caducando! Onde já se viu uma cachorra botar sentido num casal Dezinho! Tu é besta mesmo! O que esses dois pode fazer lá na sala com a gente aqui, homem?! – Sacudia o corpo com o riso – E tu acha que Tulipa vai te contar o que eles estão fazendo, o que estão conversando?
- Ela me conta sim! Tulipa não é uma cachorra como as outras, tu sabe disso! E pare de ficar relinchando!
- Dezinho, larga mão de ser besta! Tu não lembra que a gente ficava lá na casa de pai e que não aconteceu nada! Eles precisam conversar sozinhos pra se conhecer. Com a gente foi assim também. E eu casei pura!
- Porque eu tinha medo do teu pai! – Ele fez uma cara que para ele era uma cara de riso. Pois ele nunca ria, vivia sempre zangado.
Dona Raimunda riu e concluiu:
- Vamos deixar os dois lá quietos. Nossa filha já tá passando da idade de casar. Tá com mais de dezenove e, além do mais, coitada, ela puxou a cara da tua mãe, então temos que dar graças a Deus por esse rapaz ter se engraçado com ela.
- Tu não perde ocasião de dizer que mãe era feia!
- Tua mãe, Dezinho, minha finada sogra que Deus a queira ter para sempre no Reino da Glória, amém!– benzeu-se olhando pras telhas da cozinha – não era feia. Ela era medonha!
- Humff! – Rosnou. Depois encarando-a com a cara ainda mais fechada concluiu - Vamos deixar mãe quieta lá com Deus! – Benzeu-se.
Ou com o cão – pensou dona Raimunda
Na sala o casal ensaiava uma tímida conversa. Ele pegou a mão de Maria na sua e pressionou-a levemente. Ela estremeceu ao sentir aquele contato caloso e suado. Tulipa no mesmo instante ergueu a cabeça e levantou as orelhas.
- Parece que ela não gostou que eu peguei na tua mão. – Observou o rapaz intrigado.
- Liga não. Foi pai que mandou ela vigiar nóis. Ele pensa que ela sabe das coisas... e que pode falar com ele...
- E ela sabe? Vai ver ele entende a fala dela...
- Tu já viu cachorro falar? – Perguntou Maria olhando-o encantada.
- É, nunca vi – admitiu encarando Tulipa. –Mas já pensou se ele entende o que ela fala...! Vai ver ele tem parte com o coisa ruim... E se ela contar?
Maria já um tanto solta se sacudiu de rir. Olhou para Tulipa e piscou um olho.
Tulipa retribuiu a piscada, olhou novamente para ele sorriu e fechou os olhos. Ia colaborar com Maria, pois sentiu que o rapaz tinha um bom coração.

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