quinta-feira, 18 de março de 2010

A PRIMEIRA NOITE DE TERTO



Texto escrito em maio de 1984

Chamavam-no de Terto. Terto de Tertulino seu pai e de seu avô. Ele já contava com 45 anos de idade e nunca na vida se envolvera com uma mulher. Não que não tenha sentido vontade, mas as circunstâncias da vida e a timidez sempre se interpuseram em seu caminho. Dentro dessas circunstâncias estava sua mãe. Acreditava, ele, depois de muito tempo, que ela fora o grande obstáculo para a entrada dele no mundo dos homens. Não só o grande, como talvez o único. “Mas também nessa altura da vida não adiantava lamentar nem culpar ninguém”. Pensava de vez em quando. Vez ou outra se pegava odiando a mãe, até mesmo desejando que ela morresse, porque só assim, acreditava, estaria livre e desimpedido para seguir seu caminho. Mas que caminho? Que rumo poderia tomar depois que ela se fosse se o tempo passou e ele não construiu sua vida? Dizia seu pai quando vivo que para um homem começar a trilhar os caminhos do seu destino, antes de tudo, tinha que conhecer o calor de uma mulher. E isso, definitivamente, Terto não conhecia. Naquela manhã acordara disposto a por um fim em todo esse tormento. Dessa vez iria sim conhecer os mistérios do mundo dos homens. Passara em frente à casa da mulher-mestra naqueles assuntos. A mestra de todos os meninos daquele pequeno vilarejo. Ela tinha quase certeza de que ele era desconhecedor do assunto porque nunca experimentara de sua cama. Sempre que o via perguntava quando ia visitá-la. Ele não respondia enrubescendo até a raiz dos cabelos e ficando fulo de ódio e vergonha. Ela sempre estava na janela àquela hora, mas justamente naquele dia, o dia em que ele criara coragem para se aproximar o diabo da mulher achou de não aparecer. Será que ele tinha dado alguma demonstração de que resolvera ir até lá ou será que ela tinha parte com o diabo e este a avisara de que ele iria? E ela para deixá-lo aperreado, se escondeu? Vá saber! De repente morreu ou caiu de cama com alguma enfermidade. É, pra ele não tinha jeito mesmo! Pensou desgostoso. Se essa peste de mulher resolvesse se aposentar o que ele iria fazer para sair da amargura de trazer estampada na testa a marca da donzelice? Entrou no boteco em frente à casa dela e pediu uma dose de pinga. Era bom esperar um pouco, de repente ela pode só ter ido ao banheiro, ponderou levando o copo aos lábios. Virava e mexia olhava pra casa da mulher. O dono do boteco percebendo sua inquietude se aproximou da mesa, puxou uma cadeira e se sentou. Olhou na direção da casa da mulher e sem dar conhecimento de que suspeitava do motivo da sua estada ali, comentou: _Ela não apareceu na janela hoje. Fiquei sabendo que viajou. Foi pra capital. Dizem que não volta mais. Foi morar com a filha. Cansou-se da vida que levava. Já tava exausta. Não tava mais agüentando agasalhar os moleques e até mesmo os homens feitos. Olhou pra Terto e piscou um olho. _Foi embora sem avisar ninguém. De certo não quis se despedir. Terto virou o resto da pinga e saiu mudo. Andou a esmo pelas pequenas e estreitas ruas do povoado. Um misto de raiva e frustração machucou-lhe o peito. Ele como sempre não sabia utilizar as horas e os dias de sua vida. Quanto tempo essa mulher morou ali? Desde que ele era moleque. Todos os seus colegas foram até ela. Hoje muitos já estavam casados, outros solteiros, mas tinham suas mulheres. E ele? Um atoleimado, um bocó. Merecia isso mesmo. Morrer donzelo, feito uma beata velha, cujo destino era só cuidar da mãe. A manhã passou, e ele continuou andando a esmo. Entrou a tarde e quando esta já despencava no horizonte resolveu tomar o rumo de casa. Morava a uns 10 km do povoado. Montou no lombo da égua e deu início a um trote vagaroso. As histórias de seus colegas de infância e juventude acudiam-lhe à lembrança. Muitos se iniciaram com a tal mulher, outros com as irmãs, outros com as primas, outros com as tias. Mas o certo é que todos se iniciaram. Outros se iniciaram até com as vacas e ovelhas das fazendas. Ele achava muito nojento se misturar dessa forma com os bichos. Mas, pensando bem, será que é tão nojento assim? De repente uma idéia lhe surgiu na cabeça como uma luz. Por que não com a sua égua? Ela era limpa, ele sempre cuidava dela com muito esmero. Dava-lhe banho constantemente. Era uma égua bonita. Não contavam os mais velhos e até os garotos que estudavam que existiu um imperador que fez de seu cavalo um senador? Porque ele não podia tomar a sua égua por esposa. À medida que aquela idéia ia se formando ele ia sentindo seu corpo reagir. Instintivamente foi apressando o passo e colocou a égua pra correr pra chegar logo em casa. Quando chegou deparou com a mãe à sua espera na porta da casa. Estava toda impaciente e o cumprimento foi uma repreensão. Quis saber a razão da demora. Pela primeira vez Terto não lhe deu importância. Nem se deu ao trabalho de lhe responder. Apressadamente tirou a sela do animal, jogou-a na calçada e se dirigiu em direção a uma manga bem distante da casa a fim de, para todos os efeitos, soltar a égua. Sua mãe ficou retrucando, mas ele não mais a ouvia. Estava feliz. Sentindo-se livre. Ia finalmente realizar um sonho acalentado por tantos anos. Perguntava-se como pudera ser tão bobo por não ter tido essa idéia antes. Mas nunca é tarde, animou-se. Nada mais iria lhe atrapalhar. De agora em diante pouco lhe importaria as implicâncias de sua mãe. Se ela quisesse urrar em seu ouvido, que urrasse. Ele já tinha alguém com quem se abrir, com quem poderia ser ele mesmo, Terto. Alguém que não reclamaria de nada. Alguém que estaria sempre pronta a lhe servir, a lhe ouvir sem lhe interromper e repreender. Alguém verdadeiramente sua amiga. Como ele fora bobo, tonto, um verdadeiro atoleimado por não ter pensado nisso antes. Quanto tempo perdido. Mas faria tudo para tirar o atraso. Atravessou a manga e levou a égua para um lugar um pouco mais adiante. Sabendo que não havia ninguém naquele momento para perturbá-lo, para vigiá-lo, envolveu a égua num abraço e começou a acariciá-la e beijá-la. A escuridão da noite fez com que ele se sentisse dono de si e senhor daquele animal indefeso que daquele momento em diante seria sua égua, sua “esposa”, sua “amante”. Iriam se amar só à noite. Seria o melhor momento. A luz do dia revela a timidez, a vergonha, o bom senso. À noite, o Terto que só ele conhecia poderia aparecer e se dedicar àquele momento mágico, só dele e da sua primeira e talvez única amante. Única, porque naquele momento ele não pensava em ter outra a quem amar. Naquele momento era o mais fiel e dedicado dos amantes. Durante o dia, o Terto bobo que todos conheciam, iria zelar da égua com muito mais dedicação e à noite o Terto, amante apaixonado iria amá-la. Mesmo em suas fantasias de adolescente nunca se sentira tão excitado como naquele momento. O instinto lhe guiou e fez com que conduzisse a égua a um lugar mais apropriado a fim de lograr o seu intento. O animal, dócil aceitou, e Terto pela primeira vez na vida soube o que é estar vivo

Um comentário:

  1. Que situação a desse pobre Terto! Por pouco o nome dele não era Torto! Brincadeira, Luciene. Você escreve muito bem, com riquezas de detalhes, mas de forma que não enjoa, nem aborrece o leitor. Sua narrativa prende e envolve. Parabéns1

    Antônio Queiroz.
    Rio de Janeiro.

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